Feb 28, 2007

Long-distance call

- Está?
- Está? Deus?
- É o próprio. Quem fala?
- Daqui fala C.R., tenho-lhe dado algum trabalho nos últimos 22 anos... Não sei se está a ver... ?
- Sim.
- Bem... Ehm... O que se passa é o seguinte... Gostava de lhe fazer umas perguntas... Sobre uma certa distância... Entre mim e uma pessoa fantástica que decidiu pôr neste mundo (graças a D... ehm... Si)
- Sim, estou ao corrente da situação.
- Bem... A pergunta é... Porquê? Porquê esta distância?
- Não achas que é boa para fortalecer a relação?
- Oh, talvez... Mas a nossa relação já é forte agora... Não pode encomendar um milagrezinho ao São Pedro? Para encurtar a distância...?
- E tens sugestões?
- Hmm... Pensei que se lembrasse de qualquer coisa...
- Se tu, que estás envolvida e queres tanto isso, não tens ideias, como é que Eu vou ter?!
- Ehm... Sim, tem razão...
- Mais alguma coisa?
- Sim... Porque é que se refere a Si próprio com maiúscula?
- ...
- Ahah... Estava a brincar. Ehm...Mais alguma coisa... Assim de repente...
- Bom, então até à próxima.
- Até à próxima... AH! Espere...!

...tu tu tu tu ...

Feb 26, 2007

Mood passado, inacabado



Há uma certa regressão na vida. E tu, de costas voltadas para o mar, abraças o horizonte infinito de (im)possibilidades.
Tronco nu, braços nus, pernas nuas. Sente o sol queimar-te as feridas, Cristo-Rei.
Deita fora o ar cansado dos teus dias (passados) de glória.
[Eu não quero ser impenetrável, imperscrutável, impermeável]
Noutros dias, a simplicidade, talvez, de me achar diferente. E isso chegava às pessoas. A mensagem. A sensação.
Hoje, escombros obscuros de coisas que fui não fui não sei. Imagens criadas pelo medo ar qualquer coisa como pudor. Talvez.

Feb 21, 2007

Encontros consonantais.

Marrr*

Esta provavelmente foste tu que tiraste. The good one of the lot :P











*ler o "rrr" como o "r" do a-pair no The Hare Who Lost His Spectacles, Jethro Tull

Compra-me isso.

Espremer qualquer coisa como se fosse
Água.
E tu dizes, Não, não
Não com tanta intensidade.

Mas são mãos sem rumo e não há sinal de
STOP

Há casas escondidas nos teus olhos
E crianças
Crianças atrás das cortinas com medo do Pai Natal
Debaixo do sofá

Há murmúrios no céu da tua boca
Fazem eco no esófago

(Eu disse assim,
Amor, dá-me a mão,
E tu deste)

O teu cérebro está dormente
Mas deixa-o

Tu sabes o que dói
Nas linhas que querias (crias)
Mas não te dás, não te pões
Mãos pés tronco
nas linhas
Querias ser
A música, a cor, o movimento, o sentido
Querias ser a essência
De tudo
Sem ser nada

É preciso haver um compromisso.

Mas tu não queres cair sem rede por baixo
Ou não vês a rede
Ou não queres ver a rede
Ou não há mesmo rede
Tens medo que te doa
Dizes que és frágil
Tens medo que te parta
Essa força, essa determinação, esse pé no vazio

Giras os pulsos e rodas a cabeça e fazes esgares de
Incómodo.

É tudo um grande incómodo.

Mas o que te incomoda?
Dás voltas e voltas e procuras inspiração em
Palavras sujas de pó
Julgas que são tuas, que as podes prender
Marcar como gado
As palavras, não são tuas,
Foram tuas, talvez, naqueles milissegundos em que percorreram os teus nervos do cérebro à mão]

Não queres ser uma repetição, imitação
De ti
Mas é fácil o caminho
Pôr pés em falso
Tapar os olhos com mãos entreabertas.

Se queres.
Queres.
Faz.

Feb 20, 2007

Fragmentos de um fim-de-semana IV

To lead a better life I need my love to be here...

Here, making each day of the year
Changing my life with a wave of her hand
Nobody can deny that there's something there

There, running my hands through her hair
Both of us thinking how good it can be
Someone is speaking but she doesn't know he's there

I want her everywhere and if she's beside me
I know I need never care
But to love her is to need her everywhere
Knowing that love is to share

Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I'm always there

I want her everywhere and if she's beside me
I know I need never care
But to love her is to need her everywhere
Knowing that love is to share

Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I'm always there

To be there and everywhere
Here, there and everywhere

The Beatles, Here, There And Everywhere


A primeira vez que ouvi esta música, estava meio adormecida. Naquela fase do quase-sono em que as coisas parecem meio irreais. Eerie feeling, como diria o Lewis Carroll.
E pareceu-me tudo um sonho... As tuas mãos, a música vinha das tuas mãos, e a tua imagem era uma mancha de luz e sombra. E a música entrou e envolveu o meu cérebro e prendeu-me e eu quis muito esse estado de espírito.
Ainda quero.

Feb 19, 2007

Fragmentos de um fim-de-semana III


Fragmentos de um fim-de-semana II


Fragmentos de um fim-de-semana I

" 'My brother puzzled over it from the time he got it. He never figured it out, and neither did the Dickson. Some psionic talent. Precognition, he thinks. You japed the statue to prevent your own murder at the hands of the Cohorts. He thinks the Cohorts kill people who rise too high.'
'Do you agree?'
'No,' she said, 'because I know what the blob means. You do have something in your mind nobody else has. But it's not precognition.'
'What is it?'
Gretchen said: 'You have a sense of humour.' "

Philip K. Dick, The Man Who Japed

Feb 18, 2007

Feb 14, 2007

14 de Fevereiro



Marcas de amor

Painting can wash the blues away...

Hoje assisti duas vezes à mesma cena. Trânsito caótico porque há carros parados de um lado e de outro etc., etc. e mesmo ao pé, dois polícias, mãos nos bolsos, a olharem com cara de parvos.

Who's Your Valentine?

Mine is the handsomest boy in the world.

15º

(...)

Às vezes chega a hora de destruir sonhos.
Parte esses vidros de picuinhas.
Rompe esses músculos moles.
Rasga esses lábios em sangue.

Às vezes chega a hora de crescer
Largar as bonecas
Largar os planos
Largar as coisas que te aquecem o coração.

Esses trejeitos repulsivos de menina mimada.

Se for preciso:

Esmaga o metacarpo; as falanges, falanginhas, falangetas.
Fura o olho esquerdo.
Arranca os dentes da frente.

Não te apegues, não te apegues, que tudo passa.

E alimentar sonhos risíveis é para burros.

É preciso ser.
(= ser adulta)
Esconde esse órgão traiçoeiro atrás dos cortinados.

Não toleres. Não toleres.
As lágrimas diluem o sal.

Há mais alguém, mais alguém além de ti e tu não podes competir.
Faltam-te:
pernas
braços
língua
engenho e arte

Amputaram-te (à nascença) esse dom da concretização.
Mas, mas, mas.
Dói-te censuracensuracensura? Mas que censuracensuracensura? Mas que ferida?

Examinemos a ferida.
Mexe na ferida. Abre a ferida. Infecta a ferida.
E depois...
...arranca essa parte podre de ti.

Não comas os teus.
Não engulas em seco.
Prende. Solta. Bate palmas. (mas não demasiadas)

És
És
És
Enquanto sentires esse frio, és.

Bebe.
Esquece-te de letras. Mas lembra-te sempre a seguir.

Põe fim ao marasmo.

OU

Fim.

Feb 13, 2007

Livros Bons - Part One



...porque há outras leituras que não valem a pena...

Feb 11, 2007

A carne grita alto aos ouvidos exteriores.
Apertamos o coração num cinto de conveniências, espelhos de sociedade. A voz do coração grita baixinho aos ouvidos interiores.

Queremos esmagar com pensos rápidos uma gripe, curável, da qual não aferimos as causas. Mas as causas estão à vista. E, contudo, pegamos nos óculos de míope cansado, e com as mãos trémulas abanamos a folha da Vida à nossa frente, na esperança de termos desculpa por não termos ainda tomado o antibiótico da solução.

Que raça? Que credo?

Que desejos, medos, aspirações, frustrações, ambições...?

Eu vivo.

Edward Lear Inspires

There was a young girl who once
Drank wine and ate paté in France
When they asked "Is it good?" She said "I'm in the mood
Of eating 10 kilos at once!"

There was a young boy fast asleep
Whose snore was profound and quite deep
When he expired he put out a fire
That heroic young boy fast asleep

There was a young girl from Lisboa
Who always walked along with a boa
The people from town fled when they came around
The girl and her frightening boa.

She lies

Aquelas caras de lama lama cera cera partiram-se como vidro.
Eu pensava que sorrisos eram sorrisos sem costas como os anjos. Mas por trás dos sorrisos, qualquer coisa que, na minha ingenuidade, não soube ver.
E agora, digo o mesmo que sempre disse, mas já não o sinto. Simpáticos, sim. Simpáticos. Talvez isso. Mas tão terrivelmente só isso. Pensei que um dia, talvez, amigos. Mas por trás palavras sussurradas em veneno.
Um dia, talvez noutro tempo lhes mordesse a língua a todos e morresse.
--------------------------------------------
A pele de outro eu que deixei pelo caminho amareleceu. Ressequida junto à estrada espera por pés que a pisem. Carinhosamente.
Gostava de ser um dia aquilo tudo que me disse ao ouvido quando era pequena. Assim: "Catarina, tu... Um dia...". Mas um dia tarda, nunca chega.
E eu, pequenina de vestido vermelho espero como quem se acalma.

É preciso

Queria ser natural, e contar-te como as flores são bonitas depois da chuva, como a cidade brilha saltitante nas cores do Sol, como a calçada parece deslizar sob os teus pés quando não sabes por onde vais...
Natural, sem mãos de vergonha na cara, sem travões na língua vermelha, sem segundos pensamentos.
Natural, sem gestos calculados, sem palavras medidas, sem olhares estudados.
Mas eu.
Natural, não. Nunca. Eu sempre aquela coisa nojenta repelente asco. Eu sempre eu sem ser eu e cantos mal iluminados nos quartos do meu cérebro. Eu sempre murros invisíveis contra paredes imaginárias. Eu sempre eu, infelizmente.
Mãos estendidas mãos em concha mas eu não sei, eu não sei dar.
E talvez seja a chuva ou a ventania ou gente, mas não há gente dentro de mim.
Talvez seja só, sim, isso, mas eu... que hei-de fazer eu com isso? Esse sabor indizível por trás das costas da língua, por debaixo, e dos lados...
É-me amarga a memória do que fui. Do que se calhar sou, do que posso voltar a ser. Gostava queria conseguir poder matar espezinhar essa voz dissonante. Queria furar-lhe os olhos, partir-lhe os joelhos, cortar-lhe o pescoço, arrancar-lhe as unhas uma a uma.
Triturar-lhe os ossos.
Rasgar-lhe os músculos.
E enrolá-la numa bola atirá-la para longe para muito, muito longe, para sempre longe. E odiá-la de longe, e fazer-lhe manguitos e gritar-lhe que se vá embora, que não volte, e chamar-lhe nomes feios.
Mas ela volta. Volta sempre, arrasta o manto escuro pelo chão do meu quarto, senta-se à beira da cama, dá-me palmadinhas nos ombros, sorri um sorriso desdentado e estala os dedos magros e assobia como um rapaz. E eu digo-lhe que sim, está bem, como queiras.
E ela adormece aninhada nos meus lençóis.

Dou-te um beijo de pasta de dentes na testa, mas tu permaneces no teu cheiro adocicado de boneca de criança.
Quero, quero, quero esmagar-te num abraço sem ouvir a tua voz pequenina em gemidos incómodos.

23 de Fevereiro

Quem será a Emseguida
Da nossa vida?
Gostará de flores?
Comprará as flores?
Quererá as flores
Que estão em cima
Da nossa velha cabeça
Cambaleante e adormecida?
Vencerá ela o desânimo
Que nos vem
De pensar na Morte?
Senhora Emseguida,
Conseguirás
Mudar a nossa Sorte?

Poema Abecedário

Alta, grande, envolvente
Bondosa, afável, perspicaz
Carinhosa, simpática, sorridente
Doce, amiga, capaz.
E ainda que, por vezes,
Falte nos seus olhos, no olhar,
Gotas de qualquer coisa...
Humor, talvez, algum ar
Incandescente de alma que ali
Jaza; ainda que, por vezes, nas suas
Lutas diárias com o tempo,
Melindre os pequenos (que somos
Nós) – nada é contratempo.
Ouro sobre azul, e, mais que isso,
Puro Amor, sim, e friso:
(Querer dizê-lo, e dizê-lo;
Repeti-lo se for preciso),
Sim, ela é Amor, e talvez ainda mais:
Tudo, ela é Tudo, é uma Coisa Maior
Una, mas difusa, altiva, mas acessível
Viva, fogosa, decidida, feliz
Xarope para as noites conturbadas,
Zelo em carne e osso e... luz nas caminhadas.

(numa caixinha de música)

Desejo febril de explodir
E ser alguém pendurado numa colcheia
Ou numa entrada ársica como que
Suspendendo a respiração
Ou acelerando-a, repetindo
As palavras-símbolo da minha própria
Demência.
Como gostava de ser alguém
Numa estrela ou cabeça
Algo concreto, palpável
Duro mole áspero macio
Algo de tangível, digitalmente sensível
Algo como que um beijo
Em forma de gente
Mais que um corrimão de rua
Escadarias velhas, mais que os
Degraus e o vão da escada
Poder ser a madeira ao mesmo tempo
Que os pés que a pisam e a cabeça
Que a pensa.
Escolher um continente como quem faz um ninho
Ave que não migra porque sabe
Que a morte está perto
E cantar num rebentar de pulmões
Mesmo sabendo que o mundo não pode
Não quer não ouve
Saber a limão como quem deita ácido
Na própria pele para ver se existe
Mãos e olhos e boca e coração aberto
Rasgado, virado, desprezado
E sorriso de dentes e batôn
Sem som de alma por perto
Como Pai Natal de roxo
Ou cristã de burca
E sobretudo ser Homem, ser Mulher
Ser humana.

Ao Álvaro.

É noite e está escuro e só a luz do teu monitor
Ilumina o cubículo em que me encontro, febril
Olhando esgazeada para as tuas cores sedutoras
Passando os meus dedos ligeiros
Pelas tuas teclas, macias.
E as cores! Sempre as cores!
O barulho monótono dos dedos no teclado
O deslizar sensual das mãos...
E um som! E outro! As luzes!
E poder ser tudo, em toda a parte
Ser omnipresente, viajar em segundos
Estar aqui E estar ali!
O meu espírito está frenético de te cantar
Ó computador!
Ó maravilha da ciência!
Ó prolongamento de mim,
Projectar do meu ser no Universo!
Tremem-me as mãos de te tocar sôfrega
E esvaziam-se-me os olhos da vida
Porque afinal és TU a verdadeira Vida e os meus nervos querem viver-te!
Os meus olhos magoados querem olhar-te, tornar-te parte de mim!
Ah, fosse eu máquina, como tu!
Sentir, com um prazer de mulher possuída, os dedos de alguém
Premindo as teclas num afago maquinal, amoroso!

(Bonecas da minha infância
De folhos e rendas vestidas
Doces devaneios em que a vida
Era o sonho...
Nada mais!)

Bits e bytes e pixels
E linguagens html e ficheiros jpg e gif por mim adentro!
Tornar-me energia e percorrer os cabos
À velocidade da Luz!
Ó Word, ó Excel, ó Access!
Números e números e caracteres alinhados
Ó Frontpage, porta para o Outro Mundo!
Como desejo ser-vos, não de fora para dentro, mas de dentro para fora!
E rasgar-me em unidades binárias
E sentir prazer nisso!

Olá, perversão maquinal!
Olá, técnicos de informática!
Olá, progresso, energia, velocidade!
Viajar mais rápido que a luz...!

E o cansaço de ter aqui ficado sentada....

FP

Dizem que és falho de vontade. Que foste. Não, a tua vontade era outra, e eles não conseguem compreender. Não lhes dês importância; falho de vontade, não. Os teus olhos viam para além do horizonte e a tua alma, para além da vida. Falho de vontade, não; a tua vontade era a outra.

Anoitecer

Só uma coisa, uma coisinha
Nas entrelinhas duma linha
Quer fosse grande, quer pequenina
Barro nas mãos duma menina
E voar alto até às ‘strelas
Chorar e rir só de querê-las
Amar o mar e o marinheiro
Andar na rua a pedir dinheiro
Em cada noite querer o sol
Saber o isco e morder o anzol
Dor de cabeça quando está quente
O nome sujo na boca da gente
Sentir a dor como uma doença
E as lágrimas a aproximarem a sentença
Sentir o braço como um empecilho
E o brilho amargo do tejadilho
Sentir-me enferma, sentir-me doente
Cortar os pulsos, rasgar o ventre
E andar feliz com toda a gente
Como quem dizendo a verdade mente
Carvão a mais na lapiseira
É a perna que falta na cadeira
Querer dormir, cortar o laço
Encostar a cabeça no meu próprio cansaço
Morrer como quem já viveu tudo
Deixar no mundo um selo mudo
Querer chegar sem querer partir
Lábios rasgados no Sorrir...
Mas um segundo antes de ter adormecido
Sei bem que amanhã estará tudo esquecido.

O futuro foi ontem e tu, que fizeste? Deitaste nas águas estagnadas de lagos as rosas brancas de seres rio. Como podias pensar numa vida fechada em caixa de corda partida? A bailarina há muito que fez a vénia, e os cortinados arrastam-te para os bastidores.

Eras vermelha. Encarniçada e o sangue escorria-te pelas mãos, pelos braços, pelas pernas abaixo e tu eras uma mancha. Vermelha. Gritavas cores quentes nos sons ondulados do deserto, mas as árvores resgatavam o teu grito nas suas folhas verdes.

As pedras que guardaste para atirar para o lado de lá do muro desfizeram-se em areia e o vento levou-as. O que hás-de fazer agora ao outro lado de ti?

Ontem foste. Mas não soubeste que era então que tudo se decidia. Tudo. E quiseste esquecer dormir fechar os olhos. Eras tu e a praia. Eras tu e o mar. À volta, nada. Os gritos estridentes de pássaros desconhecidos, talvez. Mas não havia gente dentro de ti. A praia, apenas. E tu, talvez. Tu talvez na impossibilidade branca da praia azul.

O futuro foi ontem e tu roubaste-lhe a bicicleta. Mas não sabias pedalar. O futuro perdeu o ontem de ser. Roubaste-lhe o meio de transporte e chora agora à beira da estrada.

Todos somos metáforas forçadas, mas uns mais que outros, e umas mais que outras. Ainda assim, iguais. Tão, tão. Talvez tenha apenas beijado os teus lábios. Tão iguais. Se calhar não foi... ser infiel. Eram lábios também, e língua. Embora poucos, pouca. Eram sobretudo partes de corpos, como no talho. Pendurados em ganchos, ou talvez não, e isso não és tu. Tão iguais, mas não tão iguais. Ainda diferentes. Ainda.

Viste-me no ser-me o reflexo no espelho e não te assustaste. Curvas que não, não gosto na espera de um elevador. Um desejo estúpido. E é verdade que é preciso, é preciso ter-se muito cuidado com o que se deseja.

Hammelin

(Quando tudo conspira para que sim, talvez, talvez. Sete dias não se estragam com um. E, contudo...)
A vida constrói-se aos pedacinhos como legos amarelos em cima de legos vermelhos e verdes e azuis.

De repente, qualquer coisa que nos acalma.

Someday, I'm gonna be a great something.
São murmúrios como sons de mar ao longe que nos apressam a passada. Viramo-nos para trás, mas não há nada. E, à frente, só nevoeiro.

De repente, essa presença acalmante.

Os corredores de todos os edifícios de todo o mundo são só um, o que percorremos.
E, quando nos demos as mãos, demos um ao outro todas as mãos de todas as pessoas que já conhecemos.
Mas tudo isto traz sangue à cabeça e não, não quero.

De repente, essa calma que não sabemos nomear e que é, afinal, o Sol.

É o sermos todos toda a gente e andarmos sozinhos entre as partes de nós. Em ruas desertas de silêncio, sem folhas caídas para pisar. O sermos o mundo e o mundo ser-nos como que de dentro para fora, e explodir com todos os órgãos cá dentro e espalhá-los pela vida inteira.
Mas olhamos para trás. Nada.
E, em frente, o som qualquer de qualquer coisa. Uma flauta, talvez, e eu criança,
Vem cá,
e eu
fui.

Acho que cresci para além do meu corpo e já não me reconheço em mim.

As coisas que me faziam viver estão mortas nos caminhos.

Mas o que poderá ter acontecido entre ontem e hoje?

Eu já não sou quem era.

Corrimão

Sinto-me cheia de nada e agarro-me à cabeça como quem se agarra ao corrimão
E a minha cabeça dava um bom corrimão
Entre as mãos passageiras de alguém
Talvez de um ferro ferrugento ou talvez de madeira branca
Ou ainda de pedra fria...
Mas o essencial é que me sinto rebentar de tanto nada
Que sou, que me sinto,
Odor natural do meu corpo
Substância normal em que consisto.
E sou eu, o Nada que atormenta
Que vagueia sem rumo pelas cidades
E que bate à porta levemente
E que disfarça a voz para conseguir entrar.

E como um deserto que não conhece o seu oásis
Sinto-me seca, velha, abandonada,
E de uma maneira geral e confusa, dispersa, dividida
Triste, doente, febril...

Não sei quem me visitou o dia em que era feliz
Mas, por Deus, como amaria sabê-lo
Não sei quem visitou e recordo-me apenas vagamente
Dessa visita festiva
Que me levou nos braços até um trono de sonho
Não sei se era ele o príncipe encantado
Talvez Filipe, talvez Eric
Ou se seria ainda o sapo, feito gigante...
Só Ele sabe, e eu calo-me.

Como gostaria de saber as razões
A razão que levou ao desaparecimento das fadas
Das florestas adormecidas em que me passeava
Quando tinha medo do calor
Onde estão as ilhas e os oceanos
Onde estão as flores nas palavras?
Que eram senão mentira?
Mentira e saliva gasta?
E lágrimas de sal e sangue:
Minha alma ferida... Perdida e reencontrada
Talvez num beco sujo e escuro... Não me recordo
E dói a memória como o ferro em brasa

(...)